Quero mais um filho, não posso demorar muito", diz Camila Pitanga

Camila Pitanga fala com as mãos: lançando os braços em direção ao interlocutor, desenha formas como quem tenta se comunicar com o corpo inteiro, não só com palavras. Suas ideias exijem mesmo algum esforço para serem explicadas (e compreendidas). Fã de filosofia desde a adolescência, a atriz facilmente escorrega para divagações sobre a condição humana, o sentido da culpa ou a necessidade de utopias. “Ah, quero mostrar uma coisa: são olhares, posturas, imagens sobre estados de melancolia e introspecção, tudo que tem a ver com a Tereza”, ela diz, no início da entrevista, e pega o celular. Abre a pasta “Tereza 2”, com dezenas de fotografias de obras de arte, lugares, paisagens, cenas de filmes pinçadas por ela para inspirar a composição da mocinha engajada que interpreta em Velho Chico, novela das 9, de Benedito Ruy Barbosa – papel que quase recusou. “Tinha acabado de sair de um trabalho difícil, em Babilônia, e fui me consultar com alguns amigos sobre se deveria ou não aceitar esse papel”, diz.





Em 23 anos de profissão, é a primeira vez que Camila trabalha com o diretor Luiz Fernando Carvalho, conhecido por explorar a criatividade dos atores e exigir dedicação. Para a atriz, a experiência é “instigante”: “Ele não quer o óbvio e isso me renova”, conta. Carvalho também se derrama em elogios a Camila. “É uma intérprete incomum. O desconhecido a atrai, sem abrir mão da delicadeza ao olhar para os novos caminhos que se descortinam diante de seu espírito criador”, diz. “Sua trajetória está só começando. Veremos grandes cenas, dignas da atriz que é.” Se depender dele, isso acontecerá ainda em Velho Chico.

Camila é estudiosa e disciplinada – quem garante é a deputada federal Benedita da Silva, casada com o pai da atriz, o ator Antonio Pitanga: “Ela é muito séria e superdedicada ao trabalho. Sempre foi assim. Não almoça com a gente nos fins de semana porque precisa estudar....”. Nos tempos de faculdade, quando cursava artes cênicas na Unirio, já era um rosto conhecido da TV, mas vivia angustiada por achar que, talvez, não merecesse a fama. “Só depois, com muita terapia, é que aprendi a lidar com isso e entendi o meu erro. Mas era difícil para mim [ser famosa]. Como se eu quisesse dizer para as pessoas: esperem, me deem um tempo para me formar e oferecer ao mundo algo sobre o qual tenha mais propriedade.” O início da carreira global foi aos 15, na minissérie Sex Appel, por “absoluta inércia”, segundo ela. “Não era uma menina com desejo de ser atriz, mesmo sendo filha de ator. Não era um sonho. E, ainda assim, comecei a trabalhar muito nova, as coisas foram acontecendo. Mais tarde, quando prestei vestibular, é que escolhi de verdade ser atriz.”



Doze novelas, 16 filmes e sete peças de teatro depois, a atriz de 38 anos admite que nem sempre fez escolhas acertadas. “Aceito meus erros, isso não me faz ficar presa ao terreno da culpa. Mas não me arrependo de nada que fiz”, filosofa. “Mais do que errar ou acertar, é preciso sempre tentar. ‘Gostar de tentar’ é uma uma estrada boa para escolher na vida”, diz. “A sociedade espera e cobra da gente o acerto. Não entende a vida como um processo. É o erro que faz você aprender, se reorganizar, se reestruturar para algo melhor. Aceitar que somos falíveis é tão importante quanto buscar a felicidade.” Mas o processo nem sempre é fácil.

Isso fica claro quando ela assume que se magoa, sim, com as críticas negativas, como as que sofreu quando estava no ar em Babilônia, no ano passado. Camila, que vivia uma personagem classificada como “chata” pelo público, sofreu ataques na internet. Com a ajuda de consultores em mídias sociais, a reservada atriz aprendeu a mostrar um pouco da sua vida e a rir de si mesma (a começar pelo nome que usa no Twitter: Pitangão Mecânica). “Parei de me ater ao lado negativo das redes. No Twitter, descobri uma turma para chamar de minha”, tuitou.

Para divagar mais ainda sobre o tema, Camila pede para mostrar o trecho de uma entrevista do argentino Ricardo Darín no celular. Nela, o ator também fala sobre utopia e a necessidade de errar e aprender com os erros. “Adoro quando ele diz: ‘Estou permanentemente sob suspeita, permanentemente duvido de mim’. É inspirador”, se empolga. Enquanto o vídeo ainda roda no telefone, uma chamada interrompe o argentino: é outro ator, Igor Angelkorte, 32 anos, namorado de Camila desde setembro. “Alô? Oi, amor... Estava vendo um vídeo sobre utopia e você ligou”, ela atende. Depois, se desmancha, em voz apaixonada: “Mas não, a gente não é uma utopia...”. Igor ligou para pedir conselhos sobre qual cama comprar, porque está montando uma casa nova, no Jardim Botânico – “Me sinto honrada quando ele me pede opinião”, derrete-se. Camila mora a poucas quadras do companheiro, junto com Antonia, de 8 anos, filha do casamento de 11 anos com o diretor de arte Claudio Amaral Peixoto. Nos meses em que grava novela, Antonia já se acostumou a ver menos a mãe. Mas sobram para ela as horas noturnas. “Ela me espera para tomar banho, escovar os dentes e deitar”, conta. “Adora bater papo, é curiosa e questionadora. Mil vezes mais do que eu!” Camila quer ter mais um filho: “Quero, não. Vou ter. Já estou com 38 anos, não posso demorar muito”.
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O trabalho anda tão intenso que até os exercícios ficaram de lado – tem ido à academia só duas vezes por semana, e não quatro, como de costume. A rotina inclui ainda o papel de embaixadora da ONU Mulheres no Brasil, assumido no fim de 2015, e a direção da ONG Movimento Humanos Direitos (MHUD). “A ONU tem um caráter formal que não toca as pessoas. Minha atuação é traduzir temas delicados, de denúncia, de empoderamento feminino nos meus posts, textos etc. Adquiri essa responsabilidade num momento de muito trabalho e estou fazendo o que posso”, admite. Já o MHUD, à frente do qual luta intensamente contra o trabalho infantil e escravo, está em uma espécie de “recesso”: “Estamos num momento de reflexão, de entender como atuar no meio desse caos da política”, diz. “A Camila é admirável. No pouco tempo livre, doa seu brilho àqueles que são invisíveis para a sociedade”, elogia a colega de elenco em Velho Chico Dira Paes.

Engajada, Camila se posicionou publicamente contra o impeachment da presidente Dilma Roussef: “Sou livre. Com muito respeito, com quem não pensa da mesma forma, exerço minha liberdade. Tento trocar ideias, mais do que afirmá-las.” Embora veja um “horizonte complicado, duro e conservador”, se diz otimista: “Ao mesmo tempo, vejo pessoas acordando para pensar sobre o que estamos vivendo, independentemente das posições. Quero acreditar que estamos construindo uma nova atitude como sociedade, que não seja só de delegar aos políticos os nossos problemas”.

Quando criança, ao lado do pai e do irmão, o ator Rocco Pitanga – a mãe, a atriz e dançarina Vera Manhães, por problemas de saúde, não tinha condições de criar os filhos –, Camila era uma “moleca” que já sonhava com um mundo melhor. “Queria salvar o planeta, cuidar da família, organizar tudo. Tinha essa utopia de ser a pessoa que resolveria todos os conflitos.” Nesse momento, a atriz faz uma pausa, olha para o infinito, como se tivesse perdido o raciocínio. “A gente tem que viver de utopia. A utopia é combustível, ela é horizonte, ela é movimento. Ela é necessária.”