Resenha por Magna Dos Anjos Queiroz

RESENHA

MAIA, Eduardo Lopes Cabral. Os evangélicos e a política. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC, v. 2, n. 2(4), p. 91-112, agosto-dezembro, 2006.

Magna Dos Anjos Queiroz

O autor descreve a representação evangélica no meio Legislativo e Executivo, constituíram a força que esse segmento obteve junto à população brasileira mudando a conjuntura política e assim, propondo uma reflexão do atual contexto político e social referente à relação entre evangélicos e política no Brasil.

Uma das suposições, é a de que há uma conjunção de diversos fatores estruturais, culturais e contextuais que levam a uma situação propícia à inserção dos evangélicos na esfera política brasileira. Inicialmente, será discutida a noção de institucionalização partidária e sua aplicação ao caso brasileiro.

A existência de um contexto favorável à inserção na esfera política, através da mobilização de demandas de diversos grupos sociais, não é suficiente para que determinada instituição (ou segmento) social torne-se, de fato, um ator político considerável, sendo necessário que, juntamente com uma estrutura social e um contexto favorável, a própria instituição possua características que viabilizem esta inserção, onde diversos segmentos, grupos organizados e instituições vêm assumindo o papel de mediadores entre sociedade e Estado, contudo, nem todos transformam, ou procuram transformar, este papel de mediadores em um meio de inserção na esfera política, o que não ocorre com os evangélicos.

O estudo procurará apresentar é uma reflexão a respeito da relação entre evangélicos e política a partir da análise de fatores sociais favoráveis à inserção dos evangélicos na política partidária e eleitoral, discutindo, assim, a baixa institucionalização partidária no Brasil, a fraca presença do Estado em diversos segmentos da sociedade, a própria organização das igrejas evangélicas e o menor custo, para os fiéis, em receber informações políticas das igrejas.

A noção de institucionalização refere-se, então, a organizações estáveis, onde regras e atores apresentam uma constância dentro de um quadro previsível, pois esta não exclui a mudança, mas a limita, esta apresenta quatro dimensões da institucionalização partidária a partir das quais é possível avaliar determinado sistema partidário.

A estabilidade do sistema e de seus padrões de competição intrapartidária, um sistema no qual os principais partidos habitualmente aparecem e desaparecem ou se tornam organizações menores não está bem institucionalizado; a outra  dimensão sugere que em sistemas mais institucionalizados os partidos têm fortes raízes na sociedade. Dessa forma, os vínculos entre os cidadãos e os partidos são mais fortes, estáveis e duradouros. Nos sistemas partidários mais fluidos ou menos institucionalizados, um maior número de pessoas tem dificuldade para entender o que os principais partidos representam, e poucos se identificam com alguns deles e na terceira dimensão esta baseada na legitimidade e deste modo, os atores políticos conferem legitimidade aos partidos, considerando-os elementos necessários no processo político democrático.

A última dimensão as organizações partidárias fazem diferença, onde os partidos não estão subordinados aos interesses de uns poucos líderes ambiciosos; adquirem independência e importância por virtude própria. A ação das elites políticas e dos dirigentes do Estado, o conjunto dos atores sociais e, portanto, o modo como sociedades se formam e evoluem e as normas institucionais.

A própria configuração da sociedade brasileira, cuja maior parte vivia no campo até meados do século XX, facilitava a atuação das elites no comando dos partidos. Essas mudanças fomentaram a criação de muitos novos partidos em quase todos os estados da Federação, assim como no âmbito nacional, que contribuíram para reduzir o nível de institucionalização partidária no Brasil as constantes intervenções militares junto ao Estado.

Os partidos políticos, mesmo em sistemas bem institucionalizados, não são capazes de acumular e organizar todas as demandas dos diversos grupos, levando a sociedade a buscar outras formas de representação e reivindicação de suas demandas. Neste contexto que se torna possível pensar a participação da religião, enquanto instituição, como mediadora da relação entre grupos sociais e do Estado. A religião evangélica entra na esfera do privado (esfera reservada à religião) e, mobilizando as comunidades por ela assistidas, forma movimentos sociais atuantes na esfera pública e daí avançam para a esfera política.

De acordo com as teorias que apresentam as sociedades ocidentais contemporâneas como imersas em um contexto de radicalização da modernidade, pode-se pensar em uma fragmentação social que tem como consequências o surgimento de diversos grupos sociais, cada qual com suas demandas específicas, e, por conseguinte, a redução do papel dos partidos políticos como mediadores da relação entre esses grupos e o Estado.

Com os Estados modernos secularizados, tornou-se possível o surgimento e o exercício de diversas outras religiões, e o pluralismo religioso, em um Estado laico, leva a uma espécie de concorrência religiosa em busca da adesão religiosa da população. Sem o constrangimento jurídico de uma religião oficial, todas as outras religiões ganham, pelo menos oficialmente, legitimidade. No Brasil não foi diferente. A partir da segunda metade do Século XX ocorreu o surgimento e fortalecimento de diversos grupos religiosos. Tal situação foi reforçada com a constituição de 1988 que, contando inclusive com a participação de legisladores evangélicos organizados, definiu o Brasil como um país laico, tratando, juridicamente, de modo igualitário as diversas organizações religiosas e assim, a liberdade religiosa levou a uma situação de concorrência proselitista entre as diversas igrejas. Com a secularização do Estado, o fim do monopólio e a garantia estatal de liberdade e tolerância religiosas, ocorrem o aumento do número de agentes e grupos religiosos e a diversificação da oferta de produtos e serviços religiosos.

A organização de parte das igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais e neopentecostais, com base em uma estrutura hierárquica e centralizada, voltada para um sistema de mercado, reforçada por seu próprio conjunto de crenças, torna tais igrejas aptas a se utilizarem da melhor forma possível do contexto social fragmentado e subrepresentado da modernidade no Ocidente, principalmente em um país com baixa institucionalização partidária como o Brasil.

A importância da coincidência, na relação atual entre evangélicos e política, de um contexto social favorável e uma organização das Igrejas voltada para a lógica de mercado pode ser percebida analisando-se os fatores separadamente. Embora existam outras formas de organização das comunidades no sentido de definir e reivindicar suas demandas, entre elas a presença de distintas organizações religiosas, a atuação dos evangélicos apresenta especial vigor no cumprimento desta função.

Em determinados momentos essa tentativa de inserção ocorreu de modo mais contundente, em outros momentos de modo mais tímido e a partir de 1986 os evangélicos passaram a atuar de modo significativo no espaço político. A respeito da adequação entre a organização dos evangélicos e a conjuntura social atual como um importante fator na inserção dos evangélicos no espaço político, Leonildo Silveira Campos escreve: Essa crescente visibilidade, porém, obedece a uma lógica resultante do pluralismo religioso, da concorrência e competitividade entre as teodiceias defendidas pelas instituições religiosas, da multiplicação dos espaços sociais ocupados pelas instituições religiosas na sociedade, assim como do aumento dos interesses patrimoniais, financeiros, burocráticos e corporativos dessas mesmas Igrejas.

A partir de 2002 essas duas igrejas, ao verificar o maior sucesso da IURD nas urnas, passaram a buscar uma organização política mais próxima à da IURD, sem com isso tentar criar um sistema idêntico. O que se vem tentando realizar nessas igrejas é uma definição prévia dos candidatos e uma tentativa de indicá-los de forma mais clara aos adeptos, podendo, como ocorre com a Igreja Quadrangular, chegar a exercer pressão, de forma semelhante à IURD, sobre os adeptos eleitores. No caso da Igreja Quadrangular há ainda a realização de reuniões prévias, semelhantes às realizadas pelos partidos políticos, para a indicação de seus candidatos.

O que permite, segundo a hipótese defendida neste trabalho, o vigor da atual participação dos evangélicos no espaço político é um conjunto de fatores que leva em conta desde a fragmentação social, até a própria organização e sistema de crenças de determinadas igrejas. A partir de uma interpretação da aplicação da teoria da escolha racional ao comportamento eleitoral é possível supor que os eleitores procuram uma maximização da relação entre custo e benefício quando se trata da determinação de seu voto. É possível que o voto não se concretize em realizações positivas para o eleitor, porém, dentro da lógica de quem vota, aquela era a melhor opção a partir do custo com o qual o eleitor decidiu arcar no pleito em questão.

Para que seja possível entender de que modo a opção apresentada pela igreja é considerada a melhor pelos fiéis é necessário compreender a relação entre adepto e liderança religiosa evangélica e a própria estruturação dos discursos apresentados por essas lideranças. Ainda, cabe ressaltar que, em muitos casos, as atividades religiosas não constituem um custo, mas um prazer, tornando a relação custo/benefício ainda mais positiva. As igrejas evangélicas chegam a essas localidades marginais, muitas das quais não recebem a presença do Estado, a não ser de forma repressiva, e desenvolvem trabalhos comunitários em benefício da população local, mobilizando, assim, um grande número de indivíduos dentro das comunidades. Para muitas pessoas, participar de uma igreja como a IURD significa a primeira experiência de ‘conversar sobre política’ e de valorizar o voto de acordo com a hipótese aqui defendida, influenciaram esta atuação das Igrejas evangélicas como mediadores da relação entre sociedade e Estado.

É preciso reconhecer que os espaços de agregação de evangélicos fazem, hoje, diferença no jogo eleitoral, mesmo que as possibilidades de sucesso de candidatos evangélicos dependam também, como já foi dito, das experiências pessoais e de outros vínculos políticos que cada fiel/eleitor possa ou não ter paralelamente, “ser evangélico” tornou-se uma nova variável neste jogo de relações entre campo político e campo religioso.

Durante a constituinte de 1986 a 1988, a bancada evangélica negociou votos em troca de concessões de utilização de meios de comunicação de massa, ampliando sua presença a setores variados da população e aumentando seu poder de mobilização junto à sociedade brasileira. A organização de determinadas Igrejas de acordo com uma economia de mercado permite o crescimento do poder econômico e político dessas instituições, gerando novas formas de inserção na sociedade.

Assim, este estudo, demonstra uma ampliação da democracia, uma realização de representatividade de determinado segmento da sociedade brasileira, uma consequência do processo de secularização, ou um retrocesso das instituições políticas acompanhado de uma suposta retração do Estado laico brasileiro.